Nova Olinda - Severino Guedes, 66 anos, um dedicado meliponicultor de Nova Olinda, no Ceará, é um exemplo de como a tradição e a preservação ambiental podem caminhar lado a lado. Natural do Sítio Umburana, localidade da zona rural deste município, ele cresceu sob a influência de seu pai, que mantinha cortiços para abelhas nativas, cultivando não apenas o mel, mas também um profundo respeito pela natureza.
Casado com Dona Vera desde 1983, Severino se estabeleceu no Distrito de Triunfo, em Nova Olinda, onde ampliou seu trabalho com as abelhas sem ferrão. Com 160 cortiços, numa propriedade pequena cercada por árvores, muitas plantadas por ele mesmo, o meliponicultor colhe mel duas vezes por ano, em um processo que respeita os ciclos da natureza.
"O meu interesse não é na parte comercial, é preservar a natureza", destaca, enfatizando a importância das abelhas nativas e seu papel na polinização.
O mel produzido por Severino não é apenas uma iguaria. É um testemunho de um modo de vida que valoriza a flora local, incluindo plantas essenciais como aroeira, jurema preta e cajarana. Com um espaço aberto para visitas e aulas de campo, ele ensina a comunidade sobre a meliponicultura e a biodiversidade, reforçando que no Brasil existem cerca de 350 espécies de abelhas nativas. Em seu sítio são cultivadas seis espécies das abelhas sem ferrão e uma da abelha intaliana que tem ferrão.
Severino Guedes não é apenas um produtor de mel. É um verdadeiro guardião das tradições, mostrando que, mesmo em tempos de modernização, é possível valorizar e preservar a cultura local e a biodiversidade.
Eu estive visitando o seu Severino e dona Vera nos últimos dias 9 e 23 deste mês e conversamos por uns momentos agradáveis regados a café, siriguela e claro: mel de abelha sem ferrão. Confira a nossa prosa em formato de entrevista.
Ranilson Silva entrevista Severino Guedes
Qual é o seu nome completo e a sua idade?
"Severino Guedes da Silva, 66 anos"
O que motivou o senhor a enveredar pelo caminho da meliponicultura?
"Pois aí vem desde criança, eu sempre fui criado junto às abelhas. Toda vida o meu pai gostou das abelhas e sempre me levava para onde liga.Aí eu cresci e comecei a destruir na mata. Pegava uma árvore, botava abaixo, patinava e deixava lá. Aí uns anos depois eu fui morar na cidade e vi a dificuldade das coisas da natureza na cidade. Aí eu voltei para a roça. Aí desde que eu voltei para a roça, eu passei a, ao invés de eu estragar, eu cultivar. Eu preservava as abelhas, eu cortava no mato, mas eu tinha cuidado para não estragar. Não matar a fiação e comecei a trazer para casa. Fui trazendo até que chegou a esse ponto. Aí a minha recompensa sobre as abelhas que eu destruí na mata, que passou a eu amar elas e trazer para casa".
Então, você nos conta sobre a sua infância e como o trabalho com abelhas começou em sua família, não é?
"Sim. Olha, a pessoa quer dizer o seguinte, a primeira abelha italiana que apareceu na região, o meu pai já sabia que elas existiam. Aí ele achou uma lá num canto e foi tirar. E eu pequenininho, me levaram mais eles. Ele não pode falar nada, tem que ficar calado por medo das abelhas. Aí ele tirou essa e daí ficou, ele conseguiu arranchar elas em casa. Mas era a abelha italiana, mas sempre ele tinha dois cortiços em casa. E o serviço de Severino meu para cuidar das abelhas na época era espancar lagartixa para não comer as abelhas. O Severino era menino, aí o pai comprou uma baladeira para eu e o meu serviço era espancar lagartixa. Mas mesmo assim foi como eu disse. Aí vem daí a história minha com as abelhas".
Espantava as lagartixas por quê?
"Porque uma coméia só, uma lagartixa como todinha. Elas fica ali pertinho, se e toda abelha que passa ‘elas lepo’, vai comendo, é por isso que eu espantava".
Mas agora há pouco eu vi uma lagartixa aqui perto do Ninho da Rolinha. Aí hoje você convive bem com a lagartixa e as coméias?
"Porque eu aprendi a não matar as coisas. Aí eu... Eu preservo NE só as abelha não, os animais também, se eu puder passar sem matar, eu passo. Eu chego aqui, elas estão mexendo com as abelhas, tem o benti-vi também que estraga muito, mas não mata os bichinhos não".
Tudo começou com a abelha com ferrão, a italiana. Aí como é que você enfrentou esse desafio da preservação através da meliponicultura em comparação com a apicultura, que é totalmente diferente?
"Rapaz, aí vem o medo. O meu pai, voltando um pouco lá para trás o meu pai inventou o que é a italiana, no caso. Em vez dele fazer a passada, ele fez no terreiro. E um certo dia, essas abelhas se espantaram lá, só não matou a gente. Mas todo animal, galinha, porco, bode que tem no terreiro, elas mataram. Aí eu não tenho muito amor por elas, eu tenho. Eu tenho elas aqui na mata, ali eu tenho umas casas. Um pouquinho para o consumo.Porque se fosse através de produção, Ranilson, eu ia fazer com elas, porque elas produzem muito. Enquanto que uma italiana faz dez litros de mel, você tira dez colmeias dessa para dar um litro, às vezes. Aí o meu prazer com as abelhas, não é na parte comercial, é por amor mesmo às abelhas, preservação da natureza. O meu interesse com elas é isso".
Como você se sente em relação a essa desvalorização?
"Não tenho muito a quem vender o mel delas, porque é mais caro um pouco do que eu dar a italiana. Aí as pessoas não dão muito valor a isso. Acha que vou querer dar a italiana que é mais fácil. E o desvalorização é que chegou um dia, numa reunião em Nova Olinda, o Banco do Nordeste falando sobre o projeto e tudo, e falaram na italiana, diziam abelhas sem ferrão, como é que fica, meliponicultura. E o técnico do Banco do Nordeste: e o que é isso? È nesse sentido, não tenho muito conhecimento disso, o que é isso? Não sabia nem o que era meliponicultura".
Que plantas hoje são essenciais para a produção de mel na sua região e se isso impacta na produção de mel?
"Na natureza, né? O marmeleiro é o principal, a árvore do sertão, que mais elas gostam. A jurema preta a gente tem bastante aqui. Outra vantagem que nós temos nessa região nossa, no verão as plantas secam, né? Cai a folha, aí a aroeira vai e flora. Aí não falta coisa para as abelhas, nessa região nossa é por isso. Porque quando falta de uma, a outra chega. O que é muito interessante na seca é a aroeira. A gente tira aquele mel bem gostoso, que é o mel da florada de aroeira. Aí sempre tem algumas plantas que sustentam, para elas sobreviverem".
O senhor é esse expositor das abelhas sem ferrão, das abelhas nativas, faz palestras, participa de feiras, de eventos, o senhor também realiza visitas escolares, atividade de educação ambiental aqui na sua agrofloresta, não é? Aqui na sua agrofloresta. Como isso é recebido pela sua família, por você, dona Vera, abrir a casa e o seu espaço também para as crianças? E também para os jovens, né?
"Isso aí é prazeiroso também. O caba a ver, por causa das abelhas dessas, que tem pessoas que não dão valor, e o cara vê chegar um grupo de excursão, como eu vi aqui. Cada aluno daqui tem o prazer de agradecer a eu, a Vera, por nós ter abrido as portas, abrido a cancela pra eles, e liberar as abelhas de vocês, vejam aí. Isso é muito prazer, prazer. E a família apoia muito bem isso aí".
Agora é claro, você tem 160 colmeias, tem alguma produção, né?
"Tem".
O que elas produzem aqui? Só mel ou a abelha produz algo mais?
"A abelha produz a abelha, a abelha produz a abelha, tem o própole, e tem o póle. E tudo isso aí tem comércio. É porque eu que não me interesso muito por essa parte. Nós que temos pessoas do comércio de cosméticos do Crato, que tentaram negociar o própole comigo aqui. Mas não deu preço suficiente, não, deixa o bichinho aqui mesmo, não vou vender".
Quais são os seus planos futuros para o melipolinário e a meliponicultura? Meliponário.
"O meu interesse é ampliar mais, ampliar, fazer o trabalho mais bem feito, porque o meu tipo de caixa não é o original. Nós temos caixa de todo jeito, aí o que a turma reclama mais ou menos? Faz isso bem padronizado, bem bonito, fica melhor de ver, de mostrar. Não, mas eu acho que não é do meu jeito, porque aí tem de todo jeito que o cara procurar que tem.Tem pendurado, tem quadrado, tem as casinhas. Aí eu quero que isso faça tudo bonitinho, eu quero ver se eu consigo fazer isso".
Tem alguma história marcante nessa jornada aqui do meliponário dos Guedes que você gostaria de compartilhar conosco? Alguma história, experiência marcante?
"Um fato criminal que aconteceu comigo. Nós andávamos uma vez, eu e o meu filho, o menino, nós chegamos na beira de uma cachoeira que tinha um pé de pau darco rosa, que não tinha folha não, só tinha flor. E debaixo do pé de coisa, uma cachoeira.E eu mandei o menino derrubar o pé de pau para nós tirar uma abelha que tinha no meio. Esse é um fato triste que aconteceu comigo".
Você se arrepende disso?
[emocionado - Não respondi]
Faz quanto tempo isso?
"Faz 25 anos".
Até hoje mexe com você?
[Emocinado] - "O cara chegar numa árvore daquela e fazer aquilo".
Devido ao estado de emoção de Severino Guedes a entrevista foi encerrada pela esposa, dona Vera.
Aproveitar esse momento de emoção. Chamar a dona Vera aqui para conversa. Aqui, dona Vera. Esse vídeo não poderia encerrar sem a senhora, não. Principalmente nesse momento aqui. É a abelha rainha aqui do Meliponário dos Guedes. E vem conduzindo com ele esse tempo todo. Está emocionado aqui, lembrando do fato aí há 25 anos. E para a senhora, como é que tem sido esse conviver nesse Meliponário depois de ter transformado aqui no paraíso das abelhas?
[Dona Vera] - Rapaz, é um prazer ter você aqui conosco nessa entrevista. E é uma felicidade. A gente poder proteger a natureza, cuidando dela e cuidando das abelhas, que muita gente não se importa, faz matar. E a gente tem esse prazer de estar cuidando delas, dando vida a elas e a nós. as abelhas fazem parte da família. E a nossa família também.
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